quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Desenredo - esboço

Como era o nome dela: Irlívia, Rilívia, Livíria? Guimarães Rosa não nos revela, embora a derradeira forma como ele a nomeia no conto em questão talvez  nos diga o que o narrador, se não o próprio autor, pensa dessa amante irrequieta. Vilíria, ele diz. Vil-íria. Em Guimarães Rosa nomes não são gratuitos.

Desenredo é um pequeno conto sobre o amor de um homem, de sua busca por transformar o fato, o ocorrido de que ele próprio é testemunha. Ou seja, trata-se de deslembrar  uma traição recorrente, colocar o amor em tábula rasa, em nunca havido. Fazê-lo através de um método claro: "por antipesquisa, acronologia miúda, conversinhas escudadas, remendados testemunhos".

Amor que quer corrigir a realidade, que crerá em tudo que o torne ainda possível, que não decrete o seu fim. Já amei assim. Ah, oh! Como Jó Joaquim, o amador de quem fala Guimarães. Esse Jó labora com heroísmo seu afeto, contra toda evidência, para fora da dúvida.

O Jó mais mais afamado, curioso, não é alguém que crê intimamente, sem duvidar, ou que combate de modo sistemático a dúvida, como GR parece sugerir ao escolher o nome deste personagem de Desenredo. O Jó do antigo testamento cobra explicações até de seu deus, e  se recusa a aceitar a justeza dos fatos porque eles implicam numa injustiça divina. Jó abomina a falta de sentido que resultaria de o mal sair de dentro do bem supremo. Crê num sentido último, mas pede explicação. Seu espírito é crítico e amante. Pois parece existir no amor essa crença última, não trágica, no sentido da vida.

Jó Joaquim, o do conto que encontramos em Tutaméia, sabe do amor mundano,ou seja,  da redenção pela idealização. Ao menos quer crer nessa possibilidade, como muitos de nós - solicito cúmplices... Lacan diria: todos nós. E mesmo Platão, aquele velhinho irônico, insistiria: o caminho do amor é a idealização.

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