Algo havia aquecido o coração de Marta quando ela contemplou aquele monte mínimo de pelos. Ouso dizer que as várias doses de gim e tônica que ela bebera haviam contribuído - bebia gim não porque gostasse exatamente da beberagem, mas pelo belo som que aquelas duas palavras produziam: "É como se eu bebesse elegância. E elegância é uma coisa fundamental em uma pessoa solitária com certo afeto pelo álcool". Depois houve aqueles olhinhos brilhantes, o jeito de menino bonzinho, a caixinha molhada, seu aviso irônico e todos esses fatos somados.
Com respeito à solidão de Marta, não havia o que contestar e por isso pouco a dizer. Cinquentanos completos, um ou dois casamentos desfeitos, algumas descobertas com pessoas do mesmo sexo e uma impaciência considerável de dividir sua intimidade com criaturas falantes. Quanto a ser álcool-afetiva, era um claro exagero numa pessoa razoavelmente metódica, bem sucedida e que, como qualquer pessoa saudável, tomava seus pileques de vez em quando.
Nessas ocasiões, quando tomava uns pileques, que ocorriam em geral em seu apartamento no décimo terceiro andar de um edifício modernoso, gostava muito de escutar sambas antigos e mais ainda Dalva de Oliveira. "Esse gosto meio viado que eu tenho..."
Nessas ocasiões, quando tomava uns pileques, que ocorriam em geral em seu apartamento no décimo terceiro andar de um edifício modernoso, gostava muito de escutar sambas antigos e mais ainda Dalva de Oliveira. "Esse gosto meio viado que eu tenho..."
Quanto a Marta, o gato, esse não tinha história pra contar, mesmo porque ele era de fato mudo. Deduzamos pois. Nasceu, mamou um pouco e ali estava, naquela caixa de papelão, desamparado como Cristo na cruz. Até que alguém com cheiro de álcool, nem sempre se pode escolher, o acolheu. Esse alguém era Marta, que gostava de Dalva de Oliveira, de gim e tônica e de afiar o gume enferrujado de certas palavras. Não temia o tétano.
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